Obediência é escuta que liberta


PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
 NA CAPELA DA DOMUS SANCTAE MARTHAE


Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 15 de 14 de Abril de 2013
Deus não pode ser objecto de negociação. E a fé não prevê a possibilidade de sermos «tíbios», «nem maus nem bons», procurando com «uma vida dupla» chegar a um acordo num «status vivendi» com o mundo. O Papa Francisco disse-o na homilia da missa, celebrada na manhã de quinta-feira 11 de Abril, na capela da Domus Sanctae Marthae, na qual participaram a direcção e a redacção de «L’Osservatore Romano». Além dos jornalistas do diário estavam presentes também os das edições periódicas e alguns funcionários da direcção geral.
Entre os concelebrantes estava o cardeal indiano Telesphore Placidus Toppo, arcebispo de Ranchi, o arcebispo Mario Aurelio Poli, sucessor de Bergoglio no governo da arquidiocese de Buenos Aires, pe. Indunil Janakaratne Kodithuwakku Kankanamalage, subsecretário do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, monsenhor Robinson Edward Wijesinghe, chefe de departamento do Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, pe. Sergio Pellini, director-geral da Tipografia Vaticana Editrice L’Osservatore Romano, os jesuítas Władisław Gryzło, encarregado da edição mensal em língua polaca do nosso jornal, e Konrad Grech, e o franciscano conventual Giuseppe Samid. Estavam também presentes o presidente e o secretário-geral da Fundação «Centesimus Annus Pro Pontifice», Domingo Sugranyes Bickel e Massimo Gattamelata.
Nas leituras, explicou o Papa na homilia, «aparece três vezes a palavra “obedecer”: fala-se da obediência. A primeira vez, quando Pedro responde “é preciso obedecer a Deus e não aos homens”» diante do sinédrio, como referem os Actos dos Apóstolos (5, 27-33).
O que significa — questionou-se o Pontífice — «obedecer a Deus? Significa que devemos ser como escravos, todos amarrados? Não, porque exactamente quem obedece a Deus é livre, não é escravo! E como se faz? Obedeço, não faço a minha vontade e sou livre? Parece uma contradição. Mas não é uma contradição». De facto «obedecer vem do latim e significa escutar, ouvir o outro. Obedecer a Deus é escutá-Lo, ter o coração aberto para ir pela senda que Deus nos indica. A obediência a Deus é escutar Deus. E isto torna-nos livres».
Comentando o trecho dos Actos dos Apóstolos, o Pontífice recordou que Pedro «diante destes escribas, sacerdotes e também do sumo sacerdote, dos fariseus» foi chamado a «tomar uma decisão». Pedro «ouvia o que os fariseus e os sacerdotes diziam, e ouvia o que Jesus dizia no seu coração: “o que faço?”. Disse: “Faço o que me diz Jesus, e não o que quereis que eu faça”. E assim foi em frente».
«Na nossa vida — disse o Papa Francisco — ouvimos também certas propostas que não vêm de Jesus, nem de Deus. Pode-se entender: as nossas debilidades às vezes levam-nos por este caminho. Ou também por outro que é ainda mais perigoso: estabelecemos um acordo, um pouco de Deus e um pouco de vós. Fazemos um acordo e assim continuamos com uma dupla vida: um pouco a vida daquilo que ouvimos de Jesus e um pouco a vida do que escutamos do mundo, os poderes do mundo e muito mais». Mas não é um «bom» sistema. De facto «no livro do Apocalipse, o Senhor diz: isto não é bom, porque assim não sois maus nem bons: sois tíbios. Condeno-vos».
O Pontífice advertiu exactamente contra esta tentação: «Se Pedro tivesse dito aos sacerdotes: “falemos como amigos e estabeleçamos um status vivendi”, talvez tivesse corrido bem». Mas não teria sido uma escolha própria «do amor que vem quando ouvimos Jesus». Uma escolha que tem consequências. «O que acontece — prosseguiu o Santo Padre — quando escutamos Jesus? Às vezes os que nos fazem outra proposta enraivecem-se e a estrada acaba na perseguição. Neste momento, disse, temos muitas irmãs e irmãos que para obedecer, ouvir, escutar o que Jesus lhes pede estão sob perseguição. Recordemos sempre estes irmãos e irmãs que puseram a carne ao fogo e nos dizem com a própria vida: “Quero obedecer, ir pelo caminho que Jesus me indica”».
Com a liturgia hodierna «a Igreja convida-nos» a «ir pela senda de Jesus» e a «não ouvir as propostas que o mundo nos faz, propostas de pecado ou tíbias, a meias»: trata-se, reafirmou, de um modo de viver que «não é bom» e «não nos fará felizes».
Nesta escolha de obediência a Deus e não ao mundo, sem ceder a acordos, o cristão não está sozinho. «Onde encontramos — perguntou-se o Papa — a ajuda para ir pela estrada do ouvir Jesus? No Espírito Santo. Somos testemunhas desses factos: foi o Espírito Santo que Deus doou aos que o obedecem». Portanto, disse, «é precisamente o Espírito Santo dentro de nós que nos dá força para continuar». O Evangelho de João (3, 31-36), proclamado na celebração, com uma bonita expressão, garante: «“Aquele que Deus enviou diz as palavras de Deus: Ele dá o Espírito incomensuravelmente”. O nosso Pai dá-nos o Espírito, sem medidas, para escutar Jesus, ouvir Jesus e ir pela senda de Jesus».
O Papa Francisco concluiu a homilia com o convite a sermos corajosos nas diversas situações da vida: «Peçamos a graça da coragem. Teremos sempre pecados: somos todos pecadores». Mas serve «a coragem de dizer: “Senhor, sou pecador, às vezes obedeço às coisas mundanas mas quero obedecer a ti, quero caminhar pela tua vereda”. Peçamos esta graça, de ir sempre pela estrada de Jesus. E quando não o fizermos, peçamos perdão.

Fonte: L'Osservatore Romano